terça-feira, 19 de junho de 2018

Entenda o julgamento do Supremo e a restrição da prerrogativa de função

Entenda o julgamento do Supremo e a restrição da prerrogativa de função

Por Aury Lopes Junior e Alexandre Morais 

 No julgamento da AP 937, julgada no último dia 3, o Plenário do STF firmou entendimento no sentido de restringir o alcance da prerrogativa de função dos deputados federais e senadores. Em síntese[1], eis o novo entendimento:
1. A prerrogativa de foro dos deputados federais e senadores somente se aplica aos crimes cometidos durante o exercício do cargo, considerando-se como início da data da diplomação. Isso altera radicalmente o entendimento anterior, de que, uma vez empossado, ele adquiria a prerrogativa, inclusive para o julgamento de crimes praticados antes da posse. O aspecto positivo do novo entendimento é que limita bastante o "efeito gangorra", ou seja, o sobe e desce dos processos conforme o agente é eleito ("sobe") e depois venha a perder o cargo ou não se reeleja (perdia a prerrogativa e o processo "descia" para o primeiro grau). Por outro lado, a desvantagem é que um juiz de primeiro grau terá de julgar um senador ou deputado federal em exercício, o que pode criar constrangimentos, pressões, favorecimento ou perseguição política (lawfare), enfim, criar embaraços e problemas para a independência e imparcialidade da jurisdição, até mesmo com a designação de juízes cooperadores. Inclusive, esse era o argumento utilizado pela doutrina e jurisprudência para — antes da mudança de entendimento — justificar que, uma vez empossado, o agente "adquiria" a prerrogativa para julgamento inclusive dos crimes praticados anteriormente.
Também, como advertiu o ministro Gilmar Mendes em seu voto, exclui da competência do STF os crimes cometidos antes da posse, mas relacionados com a futura atuação parlamentar, tais como o financiamento irregular de campanhas, caixa dois, corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas (das "sobras" de campanha) etc., cometidos antes da posse, mas em razão do cargo que o agente viria a assumir. Tais crimes, diretamente relacionados ao (futuro) cargo, deveriam ser objeto de julgamento pelo STF. Mas não foi esse o entendimento que prevaleceu. Aliás, subtraída a competência do STF, como se viu recentemente no STJ (APen. 866, min. Luis Felipe Salomão), houve a remessa de ações penais para a primeira instância contra governadores (aqui). Essa “simetria” fará com que os crimes eleitorais recentemente encaminhados para o TSE e TREs também sejam encaminhados para juízes eleitorais das respectivas zonas. Surge, então, um novo foco de tensão.
2. A prerrogativa somente se aplica aos crimes praticados durante o exercício do cargo e "relacionados às funções", ou seja, propter officium.Nova alteração do entendimento anterior, que era no sentido de que a prerrogativa se aplicaria a todo e qualquer crime praticado pelo parlamentar. Agora, por maioria, o STF entendeu que é preciso que exista uma relação entre o crime e a função exercida e, portanto, que seja a conduta criminosa praticada em razão do exercício das funções do parlamentar (propter officium). Para os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, a prerrogativa deveria servir para qualquer crime, e a exigência de uma valoração por parte do julgador acerca de ser ou não o crime cometido em razão das funções abriria imenso espaço impróprio de discricionariedade judicial. Cria-se a possibilidade de um perigoso exercício de subjetividade que pode conduzir ao decisionismo judicial. Ficaria ao alvedrio do julgador verificar e decidir se é ou não ato próprio do ofício. Ademais, quem faria esse juízo seria o STF ou STJ, que, depois de não reconhecer a existência, mandaria aos magistrados de primeiro grau, ou, ao contrário, os juízes processariam e esperariam a ordem para remessa dos autos ao STF/STJ?
Existem situações em que fica evidente a desconexão entre crime e cargo, como podem ser os crimes de violência doméstica, lesões corporais ou crimes de calúnia, injúria e difamação causadas em relação a um desafeto pessoal (mas se for político já complica a situação...), tráfico de drogas, porte ilegal de arma etc. Mas, em outros casos, a distinção pode não ser tão evidente. Se um deputado federal comete um crime de lavagem de dinheiro ou evasão de divisas, de propinas recebidas ou de "sobras de campanha", como fica? É um crime praticado em razão do cargo? E se comete um homicídio doloso de um antigo rival político? São situações em que o requisito "em razão do cargo" admitirá dupla valoração, tanto negativa como positiva. Existe, portanto, a ausência de um critério claro e objetivo para definição da competência, o que coloca em risco a própria garantia do juiz natural. Em que pese a crítica fundamentada, prevaleceu o voto do ministro Barroso no sentido de que somente os atos praticados durante o mandado e relacionados às funções (elemento a ser valorado no caso concreto) sejam julgados no STF. Não havendo ato próprio do ofício, o julgamento será remetido ao primeiro grau.
3. Tem mais: encerrada a instrução, haverá perpetuatio jurisdictionis. Uma vez encerrada a instrução, com a publicação do despacho de intimação para apresentação das alegações finais (artigo 11 da Lei 8.038/90), haverá perpetuação da jurisdição, ou seja, ainda que o parlamentar renuncie, seja cassado ou não se reeleja, o processo continuará no STF. É mais uma tentativa de evitar o "efeito gangorra" (alguns ministros chamam de "efeito elevador", mas preferimos gangorra porque é mais representativo do sobe e desce), que sempre é apontado como gerador de "impunidade". Já em casos anteriores (por exemplo, Ação Penal Originária 396, rel. ministra Cármen Lúcia), o STF combateu a "fraude processual inaceitável" da renúncia do parlamentar às vésperas do julgamento, com o fito de fazer cessar a prerrogativa e obter a prescrição diante da remessa dos autos para o primeiro grau (como, por exemplo, ocorreu na AP 333/PB). O princípio da "atualidade do exercício da função" foi relativizado, e o STF seguirá competente para julgar um ex-parlamentar, desde que o crime tenha ocorrido durante o mandato, em razão das funções e a instrução já tenha sido encerrada. Do contrário, se o cargo cessar antes desse marco (artigo 11 da Lei 8038/90), cessa a prerrogativa, e o processo é redistribuído para o primeiro grau.
4. O novo entendimento aplicar-se-á a todos os processos pendentes no STF. Na síntese de Rômulo de Andrade Moreira[2], "esqueçam o Princípio do Juiz Natural". Com isso, o STF pretende "desafogar" os processos que lá aguardam julgamento de ex-parlamentares e também daqueles acusados por crimes cometidos anteriormente a posse ou que não tenham sido cometidos em razão do cargo (situação a ser analisada em cada caso). Mas, por outro lado, viola uma garantia básica da jurisdição penal: o juiz natural. Cria uma situação de alteração da competência, pós-fato e no curso do processo, um grave retrocesso, sem dúvida. Há franca mitigação de regra standard do devido processo legal.
5. A decisão atinge apenas deputados federais e senadores. E as demais prerrogativas previstas na Constituição da República? Juízes, membros do Ministério Público, governadores, prefeitos, desembargadores, ministros etc. como ficam? E as prerrogativas previstas nas Constituições estaduais? Mais uma polêmica gerada por esse julgamento, na medida em que a mudança de entendimento e todos os (novos) requisitos acima analisados ficam restritos apenas à prerrogativa dos deputados federais e senadores. É inegável que, por simetria e lógica, também deveria ser adotado esse mesmo entendimento em relação aos demais cargos e funções, inclusive do Poder Judiciário e do Ministério Público. Mas não foi esse o entendimento do STF, ao menos por ora. Então, por enquanto, tal restrição somente se aplica aos deputados federais e senadores. Assim, os juízes e promotores, por exemplo, seguem com a prerrogativa de serem julgados pelo respectivo Tribunal de Justiça, por qualquer crime que venham a praticar (independentemente de ser ou não em razão do cargo) e também pelos crimes cometidos antes da posse. Para eles, segue valendo a regra anterior de que, uma vez empossados, adquirem a prerrogativa inclusive para o julgamento dos crimes praticados anteriormente.
Rômulo de Andrade Moreira ainda faz mais uma advertência: "Aliás, em relação aos Deputados Estaduais, há dispositivo constitucional expresso no sentido que a eles se aplicam as regras constitucionais 'sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas' (art. 27, § 1º.)". É evidente, portanto, a quebra de igualdade de tratamento entre os detentores de prerrogativa de foro. Com isso, um senador/governador/deputado federal que perdeu o foro no STF poderá em outubro se eleger deputado estadual, e a gangorra volta a funcionar...
Portanto, prossegue Rômulo, "continuam tendo foro por prerrogativa de função milhares e milhares de ocupantes de cargos e funções públicas, inclusive os Magistrados e os membros do Ministério Público. A propósito, de acordo com um estudo da Consultoria Legislativa do Senado, mais de 54 mil pessoas têm direito a algum tipo de foro privilegiado no Brasil, garantido pela Constituição Federal ou por Constituições estaduais. Porém, a decisão do Supremo Tribunal Federal atingiu apenas 513 Deputados Federais e 81 Senadores da República, significando que abrangeu um pouco mais de 1% (um por cento) dos servidores públicos com prerrogativa de foro".
Dessarte, a presente decisão cria uma série de novos problemas e desigualdade de tratamento e está longe de dar conta da expectativa punitivista criada. É preciso que tais regras, no mínimo, seja estendidas para todas as prerrogativas de função, sem restrição, embora o certo mesmo era ter sido feita por emenda constitucional, e não por medidas ditas estruturantes do STF, por maioria apertada, aliás. Mantida a situação atual, após a diplomação dos eleitos no próximo pleito eleitoral, a gangorra voltará a funcionar. E, para se manter o foro de prerrogativa de função, mais vale ser deputado estadual. Teremos uma corrida às Assembleias Legislativas?
P. S. Surgiu a notícia de que serão editadas emendas constitucionais por meio de súmulas vinculantes....

[1] Na mesma linha são as conclusões do ilustre jurista baiano Rômulo de Andrade Moreira no artigo "Farinha pouca, meu pirão primeiro: eis a conclusão do STF sobre a prerrogativa de função", publicado no site http://emporiododireito.com.br/leitura/farinha-pouca-meu-pirao-primeiro-eis-a-conclusao-do-stf-sobre-a-prerrogativa-de-funcao, em 4/5/2018.
[2] http://emporiododireito.com.br/leitura/farinha-pouca-meu-pirao-primeiro-eis-a-conclusao-do-stf-sobre-a-prerrogativa-de-funcao, publicado em 4/5/2018.

Cultura indígena e pluralismo jurídico em Rita Segato

Cultura indígena e pluralismo jurídico em Rita Segato

 Por Jhéssica Luara Alves de Lima, Carmem Tassiany Alves de Lima

Resumo: A cultura indígena ainda gera muita polêmica no seio da sociedade brasileira. Com suas tradições, crenças, línguas, a cultura indígena apresenta uma riqueza histórica para o Brasil. Todavia, a sociedade brasileira, de um modo geral, não se mostra preparada para compreender essa diversidade cultural. Nessa linha, a autora Rita Segato escreveu o artigo “Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo didático com legisladores”, publicado no ano de 2014 na Revista de Direito da Universidade de Brasília (UnB). O presente artigo faz uma espécie de resenha de sua obra, em razão da importância desta no contexto atual brasileiro. Objetiva-se divulgar a diversidade cultural brasileira, especialmente no que diz respeito às diferentes concepções do direito a vida. Para tanto, como metodologia utiliza-se do estudo bibliográfico. Constatou-se, ao final, que ainda há muito o que discutir acerca do pluralismo jurídico no Brasil.
Palavras-chave: Cultura Indígena. Diversidade. Pluralismo Jurídico.
Abstract: The indigenous culture still generates much controversy within the Brazilian society. With its traditions, beliefs, languages, indigenous culture has a rich history for Brazil. However, the Brazilian society, in general, shown not prepared to understand this cultural diversity. Along these lines, Rita Segato author wrote the article "Let every people weave the threads of his story: legal pluralism in didactic dialogue with legislators," published in 2014 in the Law Review at the University of Brasilia (UNB). This article is a kind of review of his work, because of the importance of the Brazilian current context. The objective is to promote the Brazilian cultural diversity, especially with regard to the different conceptions of the right to life. Therefore, as a methodology is used the bibliographical study. It was found at the end, there is still a lot to discuss about the legal pluralism in Brazil.
Keywords: Indigenous culture. Diversity. Legal Pluralism.
Sumário: Introdução. 1. Cultura indígena e pluralismo jurídico. Conclusão. Referências.
Introdução
O artigo “Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo didático com legisladores”, trata-se de um artigo publicado pela autora Rita Laura Segato, no ano de 2014 na Revista de Direito da UNB. Esse artigo é uma versão revisada e modificada do artigo “Que cada pueblo teja los hilos de su historia. El pluralismo jurídico en diálogo didáctico con los legisladores”, publicado pela autora na Revista “Justicia y diversidad en América Latina. Pueblos indígenas ante la globalización”, da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, no Equador.
Devido a riqueza do debate trazido por Segato acerca das diferentes concepções do direito à vida, o presente artigo apresenta uma espécie de resenha de sua obra, em razão da importância desta no contexto atual brasileiro. É de conhecimento geral a riqueza cultural existente no Brasil e sua diversidade. Todavia, nem todas as pessoas, nem mesmo os Poderes executivo, legislativo e judiciário, se mostram devidamente preparados para respeitar as diversas culturas existentes no país.
Nesse sentido, Segato discute acerca do direito à vida, que possui concepções diferentes no Direito Civil brasileiro e na perspectiva da Tribo dos Suruwahas.
1 Cultura indígena e pluralismo jurídico
Segundo o texto “Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo didático com legisladores”, de Segato, no ano de 2007, o deputado federal do PT pelo Estado do Acre e Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil Henrique Afonso, propôs o Projeto de Lei nº 1057/2007, que visava combater práticas tradicionais nocivas em comunidades indígenas, tais como infanticídio ou homicídio, abuso sexual, estupro individual ou coletivo, escravidão, tortura, abandono de vulneráveis e violência doméstica, e garantir a proteção de direitos básicos aos indígenas.
O projeto foi apelidado de Lei Muwaji, em homenagem a uma mulher indígena da tribo dos Suruwahas, que se rebelou contra a tradição de sua tribo e, por esta razão, seria considerada salvadora de seu bebê que nasceu com deficiência e, por isso, teria sido condenada à morte na comunidade indígena.
É que nas comunidades indígenas, a vida não tem a mesma concepção ditada pelo Direito Civil brasileiro. Como exemplo, é possível citar a tribo Yanomami, em que o parto acontece no mato, fora da aldeia, e a mãe tem duas opções: não encostar no bebê nem o levantar em seus braços, deixando-o na terra onde caiu; ou encostar no bebê, levantá-lo em sem braços e o levar para a aldeia para um processo de humanização. Se realizar a primeira opção, significa que ele não foi acolhido no mundo da cultura e das relações sociais e, portanto, não se tornará humano, posto que na perspectiva nativa, o atributo da humanidade é uma construção coletiva, sem a qual nenhum organismo se torna humano. No caso, humanidade seria o resultado de um trabalho de humanização por parte da coletividade. Portanto, somente com a segunda opção, haveria vida. Assim, verifica-se que, na perspectiva nativa, escolher a primeira opção não significa dizer que tenha ocorrido um homicídio, posto que para a tribo, aquele ser abandonado não constituía uma vida humana, portanto, não haveria que se falar em homicídio ou infanticídio.
Uma vez que os direitos da personalidade para o Direito Civil não partem da mesma teoria das tribos indígenas, carecia-se de um melhor esclarecimento no Congresso sobre o assunto “infanticídio indígena”, para que os deputados pudessem decidir pela aprovação ou não do citado Projeto de Lei. Diante desse fato, em agosto de 2007, Segato foi convidada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional brasileiro para apresentar um argumento de cunho antropológico com a finalidade de esclarecer os parlamentares sobre o tema “infanticídio indígena”. A explicação era necessária para a formação da opinião dos parlamentares. Assim, o artigo detalha o conjunto de considerações e conhecimentos envoltos à preparação dos argumentos de Segato para a ocasião.
Em sua fala, Segato questionou o Projeto de Lei, estando cindida entre dois discursos diferentes e opostos, ambos provenientes de mulheres indígenas, as quais ela tinha conhecimento. No caso, o primeiro discurso era o repúdio que, na primeira Reunião Extraordinária da recém-criada Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), realizada nos dias 12 e 13 de julho de 2007, a Subcomissão de Gênero, Infância e Juventude tinha manifestado a respeito dessa lei. O segundo discurso era a queixa de uma indígena Yawanawa, da região fronteiriça entre Brasil e Peru, Estado do Acre. Esta indígena, durante a oficina de Direitos Humanos para mulheres indígenas assessorada e conduzida por Segato no ano de 2002 para a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), descreveu o infanticídio obrigatório de um dos gêmeos Yawanawa como fonte de intenso sofrimento para a mãe, também vítima da violência dessa prática. Nesse ponto, Segato estava diante de um confronto: a autonomia cultural versus o direito das mulheres. Dessa forma, Segato tinha a tarefa de argumentar contra a lei, mas, ao mesmo tempo, fazer uma aposta forte na transformação do costume, construindo argumentos que fossem aceitáveis ao Congresso, cuja visão era tipicamente tradicional e conservadora.
De um lado, havia a Constituição do Brasil e a Convenção 169 da OIT, defendendo o direito à diferença indígena, e de outro, a defesa da vida como um direito humano internacionalmente reconhecido. Dessa forma, a questão central da tarefa de Segato era, segundo suas palavras, “Com que argumentos nós, que defendemos a desconstrução de um estado de raiz colonial, podemos dialogar com nossos representantes e advogar pelas autonomias, quando essas implicam práticas tão inaceitáveis como a eliminação de crianças?” (sic). Segato estava, pois, diante de um caso limite para a defesa do valor da pluralidade.
O texto faz uma crítica ao Estado e sua forma de governar etnocêntrica. Segato põe em análise a vida do índio trazendo a tona sua história e realidade. Conta como desde a chegada do homem branco toda a realidade do índio tem mudado, pois trouxeram consigo doenças, desmoralização, fome e a exploração. O que o texto traz, de uma forma geral, é que Segato é contra a lei, primeiro porque o “infanticídio” é em pequeno número nas aldeias, e, segundo, porque em sua visão, o Estado não deve legislar sobre como os povos indígenas devem cuidar de suas crianças, não lhe sendo dada essa autoridade, uma vez que são povos com culturas interrompidas desde a colonização, sendo o Estado “herdeiro direto do conquistador” (sic). Para Segato, deve-se antes criminalizar o próprio Estado por inadimplência, opressão, por ser infrator e até mesmo por ser homicida dos povos indígenas.
Analisando o texto à luz do artigo 8º da Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais – que diz que ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados, esses deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos – verifica-se que trata-se de uma celeuma que depende de muitos debates e estudos, pois o texto legal não adentra em razões cosmológicas, demográficas e higiênico-práticas do infanticídio, nem discute concepções de pessoa, vida e morte dos povos indígenas.
A norma brasileira, ao denominar a vida como um “direito universal”, na verdade se propõe a universalizar uma concepção sobre o que é esse direito, o que não significa que este conceito seja compreendido da mesma maneira por todas as culturas, nem mesmo que este seja um direito mínimo inerente.
Conclusão
O trabalho estudado é de extrema importância não apenas para o campo de estudos da Antropologia Jurídica no qual ele se insere, mas como para toda a coletividade, por questionar padrões, conceitos e concepções impostos pela sociedade e legislação brasileira diante de casos concretos, como é o caso da cultura indígena. Ainda há muito o que discutir acerca do pluralismo jurídico no Brasil.

Referências
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 306p.
SEGATO, Rita Laura. Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo com legisladores. Revista de Direito da UNB, vol. 01, n. 01, janeiro-junho, 2014. p. 65-90.

terça-feira, 12 de junho de 2018

A condução coercitiva pode ser necessária à eficácia da investigação

A condução coercitiva pode ser necessária à eficácia da investigação

Por Rucherter Marreiros Barbosa

Na semana que passou, mais precisamente no dia 14 de junho, foi amplamente divulgado nas mídias de todas as espécies e redes sociais o julgamento das arguições de descumprimento de preceito fundamental propostas pelo Partido dos Trabalhadores e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, respectivamente ADPF 395 e 444, cujo debate girou em torno da condução coercitiva para fins de interrogatório, conforme preconiza o artigo 260 do CPP.
Insta salientar que o debate ficou restrito ao interrogatório, seja no âmbito da fase investigativa ou acusatória, em nada se discutindo a condução coercitiva de outras pessoas ou até mesmo do investigado ou réu para atos diversos do interrogatório, como o reconhecimento ou formalização de eventual apreensão de objetos ou bens em situações que poderiam ensejar análise de circunstância flagrancial.
É importante destacar que as regras sobre a condução coercitiva existem no Código de Processo penal desde 1941, porém nunca foi tema dos noticiários até o advento da "lava jato". Ressalto, no entanto, que a condução coercitiva não existe somente para esse fim e não se aplica somente no âmbito dos crimes federais e da criminalidade econômica, mas também nos crimes comuns, como tráfico de drogas, latrocínios, homicídios, roubos etc., praticados por criminosos comuns e pobres — contudo, contra esses nunca foi proposta nenhuma ADPF para esse fim.
Neste jaez, dos crimes comuns da criminalidade metropolitana, das cidadelas e dos guetos, na maioria dos interrogatórios em sede policial, os investigados não estão acompanhados, e com frequência se incriminam, mesmo advertidos do silencia, mas verifico que por pura ignorância, por não possuírem a expertise necessária para responderem a perguntas capciosas ou por não terem a mínima ideia das consequências de suas repostas. Para isso, foi sancionada a Lei 13.245/16, contudo, está a anos-luz de ser aplicada pela Defensoria Pública ou por advogados dativos nas detenções em flagrantes do dia a dia. Outra lei que surge após o advento da "lava jato".
A condução coercitiva como uma medida de coação pessoal é prevista em nosso ordenamento dinamicamente para diversas pessoas e em circunstâncias distintas, onde podemos destacar a condução da vítima, conforme artigo 210, parágrafo 1º, CPP; testemunhas, artigo 218, CPP; de perito, artigo 278, CPP. Na legislação extravagante, podemos citar o artigo 80 da Lei 9.099/95 e artigo 187 da Lei 8.069/90.
Como já dito, sabemos que nosso Código de Processo Penal é de 1941 e, portanto, seria ele compatível com nossa Constituição? Em outras palavras, haveria cláusula de reserva da jurisdição para conduções coercitivas?
Antes de mais nada é imperioso lembrar aos estudiosos do processo penal que é importante para a solução às indagações formuladas sobre a natureza jurídica dos atos praticados por estes sujeitos do processo (aplicável, por analogia à investigação criminal).
É imperioso partirmos do pressuposto que o investigado não é instrumento de prova ou objeto da investigação ou do processo, no entanto, as demais pessoas que possuem informações relevantes sobre o fato thema probandum, respeitada a dignidade da pessoa humana, poderão estar sujeitos a medidas jurídicas, inclusive do delegado de Polícia.
A declaração da vítima e o depoimento da testemunha são considerados meios de prova. O esclarecimento do perito em audiência já é controvertido na doutrina, entendendo alguns ser complemento da prova pericial e outros equivaleria a prova testemunhal. Para nós, o perito se assemelha a testemunha denominada de imprópria ou fedatária pois ao se pronunciar sobre o laudo pericial, assemelha-se ao delegado de polícia quando é intimado para se pronunciar sobre a investigação que presidiu, prestando, em verdade um esclarecimento técnico policial, não se tratando de complementação da investigação nem é uma testemunha própria, pois não presenciou fatos diretamente ou indiretamente.
Na verdade as pessoas em si são fontes de prova pois possuem conhecimento de fatos que interessam à investigação e ao processo. O perito é um auxiliar do juízo e do delegado e é um bom exemplo de que fonte de prova não se confunde com o meio de prova, e essa distinção esclarecerá bem a natureza da declaração do investigado ou réu e nos permitirá realizar uma análise mais acurada sobre a condução coercitiva destes sujeitos.
Voltando ao exemplo do perito, trata-se de um auxiliar da Justiça como fonte de prova, restando seu laudo pericial e seus esclarecimentos como instrumentos ou mecanismos analisados pelo juiz para formação de sua convicção a respeito da verdade de um fato.
Desta forma, o laudo pericial como documento que esclarece a análise técnica do expert é meio de prova e o conhecimento que o perito possui é a fonte da prova, portanto o perito é uma fonte de prova. Seus esclarecimentos postos em termo de declarações é também um meio de prova. Neste diapasão, o conteúdo dos termos do perito, vítima e testemunha são instrumentos da prova e não as pessoas. Estas não são instrumentos ou objetos, o que se coaduna com a ideia de que pessoas são sujeitos de direito e não objetos.
Talvez a confusão em se entender este mecanismo é a mesma dificuldade que ocorre ao nos depararmos com os denominados direitos absolutos ou personalíssimos, sobre os quais confundem-se a pessoa com o objeto do direito. No entanto, são conceitos distintos.
Diante da distinção sobre fonte e meio de prova, podemos nos indagar. O investigado acaso possua conhecimento sobre o fato é fonte da prova, e então devemos nos perguntar. Pode recair sobre o investigado ato do Estado para transformar seu conteúdo em meio de prova? Somente se ele quiser em razão do nemo tenetur se detegere, contido no artigo 5º, LIII da CR e artigo 8, 2, “g” do Pacto de San Jose de Costa Rica. Em outras palavras o investigado exerce defesa (SV 14, STF e artigo 7º, XXI da Lei 8.906/94).
Em outras palavras, o investigado ou réu é somente fonte de prova se ele assim decidir de forma voluntária em razão da garantia de não autoincriminação.
Isso significa dizer, por outro lado, que todos os demais atos se não importem em autoincriminação não podem se opor ao Estado-investigador, como é o caso da identificação e qualificação do investigado ou réu, bem como reconhecimento por testemunha ou ofendido.
Os demais sujeitos (vítimas, testemunhas e perito) não gozam desta garantia, mas somente a inerente a dignidade da pessoa humana, não possuindo direito a se oporem ao ato do Estado em busca do conteúdo de seus conhecimentos.
Resta saber, agora se para a prática do ato estatal na busca do conteúdo destas informações nas fontes de prova (testemunha, perito e vítima) há na constituição cláusula de reserva da jurisdição para a realização da condução coercitiva. Neste ponto é que divergem a doutrina, apesar do entendimento pacífico no STJ[1] e STF[2], admitindo a condução coercitiva independente de ordem judicial.
A título de exemplo, Guilherme de Souza Nucci entende que qualquer condução coercitiva é uma modalidade de prisão cautelar, sendo, portanto, uma medida que depende de autorização judicial. Nestor Távora entende “recomendável”. Eugênio Pacelli entende inadmissível a condução coercitiva do investigado ou réu e André Nicolitt entende somente admissível acaso seja para identificação e qualificação.
Devemos ressaltar que a Lei 12.403/11 previu uma modalidade de prisão preventiva exposta no artigo 313, parágrafo único, admitindo prisão preventiva para identificação, semelhante à previsão para identificação e qualificação do investigado na prisão temporária, prevista na Lei 7.906/89.
Nos parece, portanto, que admitir a condução coercitiva do investigado, em nosso ordenamento jurídico, tal medida apresenta-se revestida de uma prisão cautelar, devendo ser submetida ao crivo do judiciário para que avalie a necessidade de identificação criminal, posto que a respeito do mérito do fato criminal, sua declaração não pode ser extraída de forma sub-reptícia nem compelindo a colaborar com Estado. Cabe a este investir mecanismos estruturais para utilizar-se de quaisquer meios de prova não proibida, incluindo-se nesta proibição a utilização do investigado como fonte de prova, salvo quando a ele mesmo interessar sua manifestação ou quando for necessária medida mais invasiva autorizada pela própria Constituição, como interceptação telefônica.
Desta forma, uma pessoa civilmente identificada, com endereço certo, e advogado constituído, jamais poderá ser compelida a comparecer para exercer sua defesa pessoalmente. Trata-se de uma decisão exclusivamente do investigado ou do réu em sua defesa, seja quedando-se silente ou optando em indicar provas, contudo, as demais finalidades da condução coercitivas e demais sujeitos estão sujeitos a coação pessoal, e independente de ordem judicial, atuando, o delegado de Polícia, nesse condão, consoante dispõe o artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos, como “a outra autoridade autorizada pela lei a exercer função judicial”, que para a Corte IDH, significa função materialmente judicial, que não se confunde com função estritamente jurisdicional dos juízes.

[1] STJ, RHC 25.475/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 16.09.2010, admitindo condução coercitiva em razão dos poderes implícitos.
[2] STF, HC 107.644-SP, 1ª Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.09.2011. Informativo 639 do STF de 5 a 9 de setembro de 2011, entendendo desnecessário se invocar a teoria dos poderes implícitos para se justificar a condução coercitiva. HC/SP 83.703 18/12/2003 REL. MARCO AURÉLIO.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

A mulher gestante ou mãe presa, a liberdade e a droga

A mulher gestante ou mãe presa, a liberdade e a droga

Por Mário Sérgio Sobrinho

O Supremo Tribunal Federal decidiu no dia 20 de fevereiro que gestantes e mães de criança menor de 12 anos, presas preventivamente, poderão cumprir prisão domiciliar. Os tribunais brasileiros deveriam fazer valer essa diretriz aos casos em andamento em 60 dias da publicação da decisão, aplicando-a aos processos das mulheres presas nessas condições, exceto se apurar crime praticado com violência ou grave ameaça ou infração praticada pela mãe contra seu próprio filho ou, ainda, casos excepcionais. Eventual negativa do benefício exigirá fundamentação judicial. À época do julgamento, a imprensa divulgou que 4.500 mulheres presas atenderiam a essas condições.
O abuso de drogas, situação que aflige fortemente pessoas de condições variadas, é consideravelmente sério para a mulher por torná-la mais vulnerável e, por vezes, dificultar-lhe, antes do cometimento de crime ou da prisão, o exercício responsável da gestação e do papel de mãe, porque o consumo abusivo de substâncias psicoativas pode reduzir na mulher o interesse pelo cuidado individual e do filho e, também, afrouxar freios inibitórios ao cometimento de práticas ilícitas, tais como tráfico de droga, furto e roubo. Aliás, o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) apontou que 62% das mulheres presas no Brasil cometeram tráfico de droga.
Conhecer bem a situação do preso que abusa de drogas é tão importante que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) se propôs apurar dados do consumo de substâncias psicoativas na população prisional.
O abuso ou a dependência às drogas é problema de saúde que desafia toda a sociedade, esteja a pessoa atingida por essa questão em liberdade ou presa. Enquanto a administração penitenciária busca conhecer números e condições do abuso das drogas nos presídios, para melhor responder à questão e suas demandas, no ambiente social essa situação se mostrou tão séria que os dados já reunidos, sem alarde, pelo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) indicaram que mais 8 milhões de brasileiros são dependentes de drogas e, também, que cerca de 28 milhões de pessoas no Brasil convivem em casa com um desses abusador ou dependente.
Nesse cenário, cabe confrontar o pronunciamento jurisdicional inicialmente mencionado, por meio do qual a maioria dos ministros da 2ª Turma do STF concedeu o regime prisional aberto à mulher gestante ou mãe de criança pequena presa preventivamente, a mais branda forma de prisão cumprida em residência particular com obrigação de manter recolhimento noturno e aos finais de semana, ao pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça, que também enfrentou situação peculiar de uma mulher presa por tráfico de droga.
Em decisão liminar do dia 27 de fevereiro, o ministro Rogério Schietti Cruz (STJ) concedeu liberdade provisória para mulher presa por traficar droga no interior de presídio e substituiu a prisão preventiva por medida alternativa. Nessa decisão, proferida no HC 437.538-SP, foi considerado que a prisão seria substituída por outra medida menos onerosa à mulher, evitando eventual reiteração criminal e permitindo sua convivência com dois filhos menores, Com esse fim, o ministro impôs medidas cautelares diversas da prisão, entendendo, também, excessiva a prisão domiciliar por dificultar trabalho e manutenção da prole pela mulher.
O STJ, portanto, substituiu prisão por medida alternativa do artigo 319 do Código de Processo Penal, cumulada com restrição da mulher acusada frequentar a unidade prisional na qual seu marido ou companheiro estava preso, tudo isso levando em conta ter ela introduzido ilicitamente droga no presídio.
Retomando as situações individuais de abuso e de dependência às drogas ocorridas na sociedade com reflexos na população prisional, os juízes e os tribunais deveriam cuidar prudentemente da liberdade da mulher grávida ou mãe de filho menor abusadora de droga presa preventivamente, na forma prevista pelo HC 143.641-SP do STF, nos casos em que ficar evidenciado que essa mulher cometeu crime para facilitar o consumo de drogas. Nesse caso, se viável a liberdade, seguindo a interpretação do STF e, também, verificado conveniente fixar alguma medida alternativa à prisão, uma dessas medidas deveria tocar o abuso da droga porque facilitaria o cuidado feminino com a gestação ou com o filho e, também, evitaria a reiteração criminal, conforme pretendeu a cautela do STJ restringindo visitas da mulher ao presídio.
Nessa hipótese, evidentemente, não seria eficaz vedar à mulher gestante ou mãe de filho menor frequentar locais de incidência criminal, porque condição dessa natureza é impossível de fiscalizar e não reduz a reiteração criminosa, ao contrário do comando da decisão liminar do ministro Rogério Schietti Cruz que rememorou ponderável precedente da sua própria autoria exposto no julgamento do HC 51.221-RS.
Verificado, porém, estar a mulher gestante ou mãe envolvida em crime para obter recursos para aquisição de droga, caberia ao juiz ou tribunal autorizar sua liberdade cumulada com outras medidas cautelares diversas da prisão, determinando o encaminhamento dessa mulher ao serviço público para ser submetida à avaliação de saúde e, se necessário, receber cuidado profissional para o abuso da droga, comprovando o cumprimento do encaminhamento ao juízo, por ser medida alternativa com esse fim facilitadora da gestação saudável ou da manutenção dos cuidados, vínculos e amor aos filhos menores.
A indicação da condição de abuso ou dependência às drogas de pessoa que responde a processo na Justiça criminal é, frequentemente, exteriorizada pela leitura das peças de informação que embasaram a ação penal ou exposta pela prova colhida no processo. Juízes, tribunais, membros do Ministério Público, da advocacia e da Defensoria Pública atentos para essa especial condição de vulnerabilidade da mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos poderiam fixar, propor ou requerer alternativa que evitasse recolhimento preventivo ao cárcere, mas como contrapartida da liberdade cumulasse medida diversa da prisão a perdurar pelo tempo do processo, facilitando que a mulher cuidasse da saúde ou fortalecesse o trato carinhoso do filho menor, tornando o pronunciamento judicial ao mesmo tempo humano e favorável à mulher, com efeito protetor da família e sociedade.

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Lei do Desarmamento estabeleceu terrível distinção entre brasileiros

Lei do Desarmamento estabeleceu terrível distinção entre brasileiros

Por Adilson Abreu Dallari

“A morte de cada homem diminui-me, porque eu faço parte da humanidade; eis porque nunca pergunto por quem dobram os sinos: é por mim.”
John Donne
Atendendo a um honroso convite do professor Conrado Hubner Mendes, da Faculdade de Direito da USP, participei no dia 10 de maio de um debate público sobre Violência e Desarmamento, tendo como opositora a Dra. Carolina Ricardo, do movimento Sou da Paz. O debate se desenvolveu em alto nível, com intensa participação de alunos e outras pessoas interessadas.
Como era de se esperar, fui sepultado por uma avalanche de estatísticas, pois o Sou da Paz tem uma equipe de especialistas trabalhando em tempo integral sobre o tema. Neste breve artigo pretendo apenas fazer algumas considerações pessoais, com foco na pessoa humana, no cidadão, nos brasileiros que não estão muito interessados em estatísticas (que, como se sabe, servem para provar qualquer coisa), mas que sofrem no dia a dia os efeitos do estado de insegurança e que choram pela perda de familiares e amigos.
A violência é inerente ao ser humano e está presente, em maior ou menor grau, nas sociedades humanas em geral. Mas é preciso distinguir entre o uso da força legítimo e ilegítimo. O politicamente correto no Brasil é sempre condenar a violência policial, ignorando o fato de que a força pública existe para defender os cidadãos e seus direitos contra a violência arbitrária e criminosa.
O ideal seria que a segurança pública funcionasse de tal maneira que o cidadão não precisasse cuidar da sua proteção pessoal, atendendo a um instinto básico natural, e exercitando um direito constitucional explícito que lhe está sendo negado pela malsinada Lei do Desarmamento, Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003.
Com efeito, o art. 5º da Constituição Federal afirma que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Em seus incisos, há expressa garantia da incolumidade pessoal, da inviolabilidade do domicílio e da dignidade da pessoa humana.
É absolutamente elementar que a concretização desses fins depende sempre da disponibilidade dos meios para isso necessários. Garantia constitucional não é uma declaração romântica, de algo que seria desejável, mas, sim, configura deveres para o Estado e direitos para todo e qualquer cidadão. Dadas as inevitáveis limitações da segurança pública, não é juridicamente possível privar o cidadão de meios para o exercício da autodefesa, da legítima defesa.
“Dizer que não precisamos de armas porque há a polícia é como afirmar que não precisamos de extintores de incêndio porque há o corpo de bombeiros”. (RODRIGO CONSTANTINO,Esquerda Caviar – A hipocrisia dos artistas e intelectuais no Brasil e no Mundo, Ed. Record, 2013, p. 220).
Não obstante a clareza do texto constitucional, a famigerada Lei do Desarmamento estabeleceu como regra geral a proibição da posse e do porte de armas, com algumas exceções, como os membros das Forças Armadas e das corporações policiais. Tais exceções foram alargadas ao longo do tempo, mas sempre como exceções.
O cidadão comum, que eventualmente quisesse ter uma arma, teria de se submeter a uma verdadeira ordália burocrática altamente onerosa, devendo comprovar ser vítima de ameaça à sua integridade física e ficando na total dependência de decisão absolutamente discricionária da autoridade federal competente. Não há sombra de dúvida de que essa lei estabeleceu uma terrível distinção entre brasileiros: os que podem e os que não podem desfrutar das garantias expressas do Art. 5º da CF.
A Lei do Desarmamento estabelecia em seu art. 35 que “É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei”, mas, em seu § 1º dispunha que “Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.”
Note-se que, além da proibição geral de ter e portar armas, ficaria proibida a comercialização de armas e munições. Salta aos olhos de qualquer pessoa minimamente esclarecida que o conjunto dessas proibições trazia um enorme incentivo ao comércio ilegal e, acima de tudo, representava enorme proteção a assaltantes, estupradores e delinquentes violentos em geral. Diante dessa clamorosa evidência, no referendo realizado em 2005, dois terços dos brasileiros se manifestaram contra a proibição.
Entretanto, o claríssimo resultado do referendo foi simplesmente ignorado pelo STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.112-1 cujo relator, ministro Ricardo Lewandowski, apreciou apenas alguns aspectos pontuais, como se o referendo fosse um nada jurídico, que nada tinha a ver com o “Todo poder emanada do povo”, constante do parágrafo único do art. 1º da CF.
A proibição de comercialização, objeto do referendo, estava umbilicalmente e incontestavelmente ligada à proibição geral de posse e porte de arma de fogo. Num simples exercício de lógica formal, fica claro que, uma vez derrubada a proibição de comercialização, não tinha sentido algum manter a proibição geral de posse e porte. Ou seja: entendem maliciosamente alguns que o referendo liberou a comercialização: vender pode, mas ninguém poderia comprar armas de fogo, salvo aqueles brasileiros mais iguais que os outros, comtemplados nas exceções constantes da lei.
Os defensores da maior proteção aos bandidos alegam que armas foram feitas para matar, ignorando que a imensa maioria das pessoas autorizadas ao porte de arma (militares e policiais) nunca mataram ninguém. Na verdade, armas sempre serviram principalmente como elemento de dissuasão. Si vis pacem, para bellum, diziam os romanos.
Olhando o assunto pela perspectiva do bandido, fica evidente que é muito mais seguro e produtivo exercer essa “profissão” onde a população está desarmada, do que onde talvez possa haver alguém armado. A função dissuasória da posse e porte de armas fica muito clara quando se enfoca a função dos guardas das agências bancárias. Eles não ficam escondidos, esperando o assaltante entrar para, então, atirar e matar; a presença ostensiva da guarda armada visa desencorajar, dissuadir, eventuais assaltantes.
O fato absolutamente incontestável é que a Lei do Desarmamento incrementou a violência. As facções criminosas, atualmente, usam diariamente e ostensivamente fuzis e metralhadoras, que entram com muita facilidade pelos portos e fronteiras secas do Brasil. O roubo e o latrocínio já deixaram de ser notícia, salvo alguma circunstância excepcional. As mulheres são as maiores vítimas da implícita condenação do exercício da legítima defesa, pois o número de assédios sexuais e estupros é exponencial e a violência doméstica não diminuiu.
Numa perspectiva estritamente jurídica, é certo que não cabe ao Estado proibir por proibir. A regra geral no Direito brasileiro é de que qualquer restrição de direito deve observar as garantias constitucionais. Não pode a lei retirar do cidadão direitos constitucionalmente afirmados e qualquer limitação a tais direitos somente pode ocorrer se for determinada por uma finalidade de interesse público evidente e inquestionável.
“Todo condicionamento é constrangimento sobre a liberdade. Esta, sendo valor protegido pelo Direito, só pode ser comprimida quando inevitável para a realização de interesses públicos. Daí a enunciação do princípio da mínima intervenção estatal na vida privada.” (CARLOS ARI SUNDFELD, Direito Administrativo Ordenador, Malheiros Editores, 1993, p. 68.)
O fato incontestável é que nos anos que se seguiram à edição da Lei do Desarmamento a violência ilegítima só aumentou. O medo e a enorme sensação de insegurança é uma realidade dominante na sociedade brasileira. Os eventuais ou supostos benefícios do desarmamento não se concretizaram; ao contrário, salvo algumas exceções (estado de São Paulo, mas não em todos os municípios) a criminalidade e o morticínio, em padrões indecentes e inaceitáveis, são realidades que a ordem jurídica não pode ignorar.
“O Direito não pode ignorar a realidade social sobre a qual incide. Uma regra que, indubitavelmente, não está realizando as finalidades públicas às quais se destina, ou pior; as está contrariando, não pode, ser aplicada aos casos concretos em que tenha esses efeitos.” (ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, Ensaio de uma Visão Autopoiética do Direito Administrativo, in Revista de Direito Público da Economia RDPE, 04, out./dez. 2003, Editora Fórum, Belo Horizonte, p. 10).
Em resumo, o dever do Estado de prover a segurança pública não significa proibição da segurança privada. Defender-se ou não, ter ou não ter uma arma, reagir ou não contra quem invadir sua casa ou seu estabelecimento é uma opção pessoal, que vai depender das circunstâncias de cada caso.
Não sou da paz dos cemitérios. Sou da paz dos vivos, livres e seguros, iguais perante a lei. A segurança pessoal foi elitizada: tem quem pode pagar por ela. Os maiores defensores do desarmamento ou não vivem no Brasil, ou não dispensam suas guardas particulares armadas. Fique claro, porém, que não defendo o armamento geral e irrestrito, nem o matai vos uns aos outros. Num próximo artigo cuidarei do Projeto de Lei 3.722/2012 que busca revogar a Lei do Desarmamento e restaurar os direitos e garantias por ela aniquilados.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Liberdade de expressão e seus limites: imagem, honra e intimidade

Liberdade de expressão e seus limites: imagem, honra e intimidade

Por Marcus Vinícius Furtado Coelho

Por ocasião do ajuizamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, pelo Partido Democrático Trabalhista, contra a Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, o Supremo Tribunal Federal foi instado a arbitrar um novo conflito envolvendo o princípio constitucional da liberdade de expressão e pensamento. Nesse caso, opunham-se aos incisos IX e X do artigo 5°[1] e artigos 220 a 223[2] da Constituição Federal de 1988 os incisos V e X do artigo 5º[3], que versam sobre o direito à imagem, à honra, à intimidade e à vida privada. Superar a aparente colisão apenas se fez possível mediante a ponderação dos valores constitucionais diante o confronto entre as características da Lei de Imprensa e as normas da nova ordem constitucional.
Editada pelo regime militar ainda na presidência do general Humberto Castelo Branco, a pretexto de regular a “liberdade de manifestação do pensamento e de informação”, a lei nada mais fez do que institucionalizar a censura junto aos meios de comunicação a fim de coibir eventuais manifestações contrárias ao governo recém-instalado. Nesse sentido, seu artigo primeiro vedava “propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe” e excluía da proteção à liberdade os espetáculos e as diversões públicas[4]. A Lei de Imprensa ainda proibia publicações clandestinas e atentatórias à moral e aos bons costumes — a serem definidos segundo os interesses políticos do governo. "No auge do militarismo, estimular um movimento de trabalhadores na justa luta por melhores salários, pelo recurso da greve, era motivo para classificar o gesto de subversão da ordem"[5].
De acordo com o Partido Democrático Trabalhista, a Lei 5.250, tal como promulgada pelo regime militar, afrontava os preceitos fundamentais cristalizados nos incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV do artigo 5º e nos artigos 220 a 223 da Constituição Federal de 1988. Por ser “incompatível com os tempos democráticos”, requereu a invalidação jurídica da lei na totalidade e, alternativamente, o reconhecimento da não recepção de determinados dispositivos e a interpretação conforme a Constituição de outros. Para o requerente, tais dispositivos, se mantidos no ordenamento, poderiam justificar violações à liberdade de expressão e pensamento.
O parecer do procurador-geral da República na ADPF 130 deu-se pela procedência apenas parcial da arguição, considerando a impossibilidade de ser conhecida em relação a matérias que não foram expressamente trazidas pelo autor na petição inicial, na forma do artigo 102, parágrafo 1º, da Constituição[6] e do artigo 3º da Lei 9.882/99[7]. No mérito, entendeu que a invalidação da lei em sua íntegra fomentaria “grave insegurança jurídica devido ao constante estado de ameaça à intimidade e dignidade das pessoas”, pelo que deveriam ser preservadas as normas sancionadoras do abuso no exercício da liberdade de manifestação — artigos 20, 21 e 22 da lei. Em suma, opinou que o pedido deveria ser julgado procedente parcialmente em atenção às garantias personalíssimas da intimidade, honra e vida privada.
Preliminarmente, antes de adentrar o mérito da controvérsia, entenderam os ministros ser a ADPF o instrumento jurídico cabível à impugnação de normas pré-constitucionais, com base no princípio da subsidiariedade, previsto no artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei 9.882[8] e firmado no julgamento da ADPF 33[9]. A constitucionalidade da Lei 5.250 fora questionada no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 521, que nem sequer foi conhecida pelo tribunal em virtude da impossibilidade jurídica do pedido: “Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação a Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as”[10].
No mérito, por maioria, os ministros julgaram procedente a arguição para declarar a não recepção da Lei 5.250 por meio de uma “ponderação diretamente constitucional entre blocos de bens de personalidade: o bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco de direitos à imagem, honra, intimidade e vida privada”[11]. A cabo dessa operação, decidiu o Supremo que o “bloco de constitucionalidade” — lido como o conjunto das normas do ordenamento jurídico que versam sobre a mesma matéria e que detém natureza constitucional[12] — da liberdade de expressão é procedente ao bloco da intimidade, que incidiria tão somente a posteriori para assegurar o direito de respostas e responsabilizar os possíveis abusos.
Nessa oportunidade, os ministros vencidos posicionaram-se pela improcedência parcial ou total da ação. A divergência parcial foi inaugurada pelo ministro Joaquim Barbosa e seguida pela ministra Ellen Gracie, para os quais deveriam ser mantidos os artigos 1º, parágrafo 1º, 2°, caput, 14, 16, inciso I, 20, 21 e 22 da Lei 5.250/67 ao entendimento de que a ação do Estado na área das garantias fundamentais não seria necessariamente negativa. No campo da liberdade de expressão e de pensamento, a ação seria benéfica ao impor à imprensa a observância de interesses outros que os de seus produtores. Para ambos, nem todos os dispositivos da Lei de Imprensa seriam incompatíveis com a nova ordem, uma vez que serviriam como dispositivos de proteção ao direito de intimidade e de punição a abusos não tolerados pelo sistema jurídico.
O ministro Gilmar Mendes foi além para defender a recepção dos artigos 29 a 36 da Lei de Imprensa, que entendia ser exigência constitucional em virtude da dimensão objetiva ou institucional da liberdade de imprensa. Em seu voto, defende ser dever do legislador equacionar, nos termos exigidos pela Constituição Federal, a liberdade de imprensa e os demais valores fundamentais carentes de proteção, uma vez que não fora concebida pelo legislador constituinte de 1988 nenhum direito absoluto, insuscetível de restrição diante dos casos concretos. Assim, seriam relevantes os procedimentos estipulados pela Lei de Imprensa em seus artigos 29 a 36, cujo afastamento poderia instalar quadro de extrema insegurança jurídica e de risco a uma garantia constitucional.
O ministro Marco Aurélio votou pela improcedência total dos pedidos da arguição, em atenção à necessidade de um diploma normativo específico para disciplinar as variantes da liberdade de informação. Para o ministro, a vigência da Lei de Imprensa por mais de 20 anos sob a égide da Constituição Federal de 1988 terminou por purificar eventuais vicissitudes, no que aplicada pelo Poder Judiciário aos litígios, restando em pleno vigor apenas as normas que protegiam a intimidade dos cidadãos e a liberdade de informação.
A maioria dos ministros — Carlos Britto, Eros Grau, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Carmem Lúcia e Menezes Direito — decidiu pela incompatibilidade frente à Constituição de 1988 da Lei 5.250, na medida em que seu propósito era justamente cercear o livre funcionamento da imprensa — base do sistema representativo. Ao possuir tal finalidade, a lei desnaturalizaria a própria existência da imprensa.
Relator, o ministro Carlos Ayres Britto considerou ser a Lei de Imprensa integralmente materialmente aos princípios da Constituição Federal de 1988, devendo ser subtraída na íntegra da ordem jurídica. A liberdade de imprensa seria a irmã siamesa da democracia, pelo que desfrutaria de uma campo de atuação maior do que a liberdade de pensamento e de expressão dos cidadãos. Esses mesmos direitos individuais seriam melhor exercidos diante de uma imprensa livre e plena, cuja fidedignidade deveria ser fiscalizada somente pelo pensamento crítico da sociedade. Dessa forma, o ministro rejeitava toda e qualquer interferência do Estado em questões essencialmente relacionadas à imprensa, admitindo a disciplina de temas secundários ao trabalho jornalístico, como o direito de resposta e o pedido de indenização, mas não a liberdade de manifestação e o acesso a informação.
Em seu voto, o ministro Menezes Direito valeu-se da obra do professor Owen Fiss, da Universidade de Yale, ao enfatizar a importância democrática da imprensa em informar os cidadãos dos posicionamentos de candidatos a cargos eletivos e em analisar as políticas de governo[13]. Em idêntico sentido, a ministra Cármem Lúcia frisou a importância da liberdade de imprensa como a liberdade de pensamento para informar, informar-se e ser informado, contribuindo assim com a realização da dignidade da pessoa humana. Para a hoje presidente do Supremo, o sistema jurídico já disporia de mecanismos suficientes à coibição dos eventuais abusos praticados em nome da liberdade de imprensa. Ambos os direitos fundamentais seriam complementares porquanto quanto menor a possibilidade de liberdade de ser expressar que o ser humano possui, menos sua dignidade em relação aos outros.
Entendeu pela desarmonia da Lei de Imprensa com os princípios do novo ordenamento constitucional o ministro Ricardo Lewandowski, que reputava a legislação supérflua, na medida em que a matéria estaria já disciplinada no próprio texto da Constituição Federal de 1988. De igual modo, o decano do Tribunal, Celso de Mello, reconhece que a Carta repudia o exercício abusivo do direito de informar, reconhecendo ao indivíduo lesado o direito a ser indenizado por danos morais e materiais.
Ao final do julgamento, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADPF 130/DF, privilegiando a liberdade da imprensa frente ao direito à imagem, à honra e à intimidade. Ao tempo em que era proibida a censura prévia, permitia-se ao cidadão ofendido por eventual matéria jornalística pleitear judicialmente direito de resposta e indenização por danos.
Em julgado mais recente, o Supremo Tribunal Federal deparou-se mais uma vez com o conflito entre o bloco da liberdade de imprensa e o bloco do direito à imagem, à honra, à intimidade e à vida privada — dessa vez, nos autos da ADI 4.815/DF. Ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros face o artigo 20 e 21 do Código Civil[14], era requerida a interpretação conforme à Constituição dos dispositivos a fim de permitir a confecção e a publicação de biografias sem a prévia autorização do biografado ou dos seus responsáveis. Como os precedentes indicavam, novamente prevaleceria a liberdade de expressão, rechaçando por unanimidade a necessidade de permissão. De acordo com a relatora, ministra Cármem Lúcia, a biografia é um pedaço da história, e a autorização, uma censura particular, devendo os erros e os danos serem reparados e obterem direito de resposta assim como os termos da lei exigem.
Somente a ponderação diante da controvérsia em concreto permite aos incisos IX e X do artigo 5° e aos artigos 220 a 223 coexistirem no ordenamento ao lado dos incisos IV, IX e X do artigo 5° da Constituição Federal de 1988. Tanto na ADPF 130/DF quanto na ADI 4.185/DF, vislumbrou-se a tendência de privilegiar a liberdade de expressão, de criação artística e de produção científica em detrimento a intimidade, privacidade, honra e imagem, sob o entendimento de que o cidadão possui o direito de tomar conhecimento acerca dos fatos relativos não só às condutas do governo e das autoridades, a fim de que possam exercer um juízo crítico e livre sobre as práticas estatais, mas também à vida das personagens públicas, devido à sua importância para a história e cultura da sociedade.

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...):
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
[2] Cuidam-se dos artigos integrantes do Capítulo V da Constituição de 1988, que versa sobre a comunicação social.
[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...):
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; 
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
[4] Art. 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer.
§1º Não será tolerada a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe.
§2º O disposto neste artigo não se aplica a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem na vigência do estado de sítio, quando o Govêrno poderá exercer a censura sôbre os jornais ou periódicos e emprêsas de radiodifusão e agências noticiosas nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram, como também em relação aos executores daquela medida.
[5] MIRANDA, Darci. Comentários à Lei de Imprensa. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 87.
[6] § 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
[7] Art. 3o A petição inicial deverá conter:
I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;
II - a indicação do ato questionado;
III - a prova da violação do preceito fundamental;
IV - o pedido, com suas especificações;
V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
[8] § 1º Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
[9] ADPF 33, rel. min. Gilmar Mendes, DJ 27/10/2006.
[10] ADI 521, rel. min. Paulo Brossard, DJ 24/4/1992.
[11] ADPF 33, rel. min. Carlos Britto, DJ 6/11/2009.
[12] Cf. FAVOREAU, Louis; RUBIO LLORENTE, Francisco. El bloque de la constitucionalidade: simposium franco-espanhol de derecho constitucional. Madri: Civitas, 1991.
[13] FISS, Owen. A Ironia da liberdade de expressão: estado, regulação e diversidade na esfera pública. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005. p. 99.
[14] Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotar as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

A NOVA CONSTITUIÇÃO O Supremo Tribunal Federal como criador de normas jurídicas

A NOVA CONSTITUIÇÃO

O Supremo Tribunal Federal como criador de normas jurídicas

Por Marcus Vinícius Furtado Coelho

A decisão do Supremo Tribunal Federal na Petição 3.388/RR é representativa de uma das principais transformações do Direito Constitucional ao longo do século XX. Ao lado da atribuição de força vinculante às constituições e à expansão da jurisdição constitucional, colocou-se em prática uma nova forma de interpretar a Carta Magna[1]. Neste paradigma, o juiz supera o papel de mero revelador da solução contida na norma jurídica para participar ativamente do processo de criação do Direito.
O Supremo Tribunal Federal atuou como legislador positivo, efetivamente inovando na ordem jurídica ao julgar a ação ajuizada contra a portaria que instituiu a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Ao decidir sobre a lisura do processo demarcatório da reserva, que se estende por mais de 1,5 milhão de hectares no estado de Roraima, o tribunal estabeleceu as condições para a demarcação e ocupação das terras indígenas[2].
Impugnando o modelo contínuo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a ação popular requeria a suspensão liminar dos efeitos da Portaria MJ 534/05 e, no mérito, a declaração de nulidade do ato do Poder Executivo. De acordo com a inicial, o processo de demarcação não respeitara as normas constantes dos decretos 22/91 e 1.775/96, que dispõem “sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas, e dá outras providências”. Alegou, por exemplo, que não foram ouvidos todos os atingidos diretamente pela controvérsia e que o laudo antropológico seria parcial por ser subscrito por apenas um profissional.
Suscitou que a demarcação acarretaria prejuízos comerciais, econômicos e sociais ao estado de Roraima. Ao privilegiar a tutela do indígena em face à livre iniciativa, o ato prejudicou o interesse de grupos “não índios” que colonizaram a região e tornaram-na produtiva. Por fim, acrescentou que a demarcação comprometeria a segurança e a soberania nacionais e causaria um desequilíbrio federativo, uma vez que a transferência da área ao domínio da União mutilaria parte significativa do estado.
Na contestação, a Advocacia-Geral da União rechaçou a ocorrência de vícios no processo demarcatório e discorreu sobre da ocupação indígena na região. Com base no artigo 231 e parágrafos da Constituição Federal de 1988, que garantem aos indígenas “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, argumentou-se pela inocorrência de lesão ao patrimônio público, pela ausência de comprovação dos vícios arguidos na inicial e pela normalidade na diferença entre as áreas da Portaria 820/98, que declarou como de posse permanente indígena a Raposa Serra do Sol, e da Portaria 534, que efetivamente delimitou a reserva indígena.
Na opinião do parquet, inexistiram irregularidades a macular o processo administrativo, que fora subsidiado por um estudo antropológico subscrito por profissional devidamente habilitado e teria respeitado as garantias do contraditório e da ampla defesa. Restaram igualmente afastadas ambas as alegações de risco à soberania do Brasil e à autonomia do Roraima — a primeira, na medida em que “se existente não possui imediata aplicação com o modelo de respeito ao direito de posse dos indígenas”, e a segunda, porque restou “elidida pelo caráter originário e anterior do direito dos indígenas”. Para a Procuradoria-Geral da República, a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol atendeu ao comando constitucional de preservação da tradição e da cultura das comunidades indígenas.
Em que pese a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal tenha julgado a ação parcialmente procedente, foi declarada a constitucionalidade da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Confirmou-se a regularidade do processo administrativo, que observara, sim, as regras constantes do Decreto 1.775/96, a garantia constitucional à ampla defesa e ao contraditório e a exigência de laudo elaborado por profissional de reconhecia qualificação técnica e subsidiado pelas informações legalmente exigidas. O acórdão afastou o risco à soberania e à segurança nacional, defendeu o protagonismo da União dentro das terras indígenas e reafirmou a competência do Poder Executivo Federal para a demarcação das reservas.
Saíram vencidos no julgamento o ministro Joaquim Barbosa, que julgava a ação por inteira improcedente, e o ministro Marco Aurélio, que a julgava por inteira procedente. A parcial procedência da petição deveu-se à definição das 19 condições para a delimitação das terras indígenas pelo Poder Executivo no cumprimento do artigo 231 da Lei Fundamental — na esteira do voto do ministro Menezes Direito.
As 19 condições buscam conciliar os interesses indígenas, a defesa nacional e a preservação do meio ambiente[3]. Ao lado das que são mera repetição ou interpretação do texto constitucional ou da regulamentação infraconstitucional, consistem em efetiva criação normativa as ressalvas J, L, M, R e T[4], que dispõem acerca do ingresso, do trânsito e da permanência dos não índios na área, bem como da participação dos entes federados no procedimento demarcatório.
O tribunal, ao fixar as condições para a demarcação de terras indígenas, lançou as bases para o reconhecimento aos povos indígenas das terras tradicionalmente ocupadas. De acordo com o voto-vista do ministro Menezes Direito, a quem coube suscitar a fixação das 19 condicionantes, “a decisão adotada neste caso certamente vai consolidar o entendimento da Suprema Corte sobre o procedimento demarcatório com repercussão também para o futuro. Daí a necessidade do dispositivo explicitar a natureza do usufruto constitucional e seu alcance”.
A decisão na Pet 3.388 é uma das mais importantes na história do Supremo Tribunal Federal. Segundo o presidente à época do caso Raposa Serra do Sol, ministro Gilmar Mendes, “os múltiplos e diversificados fatores sociais envolvidos numa imbricada teia de questões antropológicas, políticas e federativas faz desse julgamento um marco em nossa jurisprudência constitucional”. Além da importância para a proteção dos direitos indígenas, o precedente é significativo para a análise do papel assumido pelo Supremo Tribunal Federal no ordenamento jurídico brasileiro.
Como será visto adiante, ao decidir sobre a lisura da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol e estabelecer as condições de demarcação e ocupação das terras, o Supremo acabou por acrescer às suas vastas competências constitucionais uma nova: a criação do Direito. Fenômeno semelhante ocorreu na consolidação do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha na orquestre de poderes, como descrito por Ingeborg Maus: “Sobretudo no início de sua jurisprudência o TFC ocupou-se, nos conflitos que lhe foram apresentados, com a definição de seus próprios limites. Questões de pouca importância relativa, como a sincronização dos períodos de legislatura na construção do Estado alemão-ocidental, motivaram o Tribunal a discutir sua própria competência e métodos de interpretação constitucional (...)”[5].
Quando enunciou o regime constitucional do usufruto das terras indígenas, em que pese tenha posteriormente decidido no bojo de embargos declaratórios que os critérios seriam aplicáveis somente ao caso da Reserva Raposa Serra do Sol[6], não paira dúvida de que o Supremo Tribunal Federal criou normatividade ao instituir um regime jurídico inédito no ordenamento brasileiro. Cuida-se, portanto, de uma sentença que supriu as omissões do legislador em atenção à efetividade dos princípios. Nessas situações, ensina Gustavo Zagrebelsky, “a Corte Constitucional intervém declarando inconstitucional a disposição na parte na qual não prevê algo, pretendendo que este conteúdo normativo ulterior seja introduzido no ordenamento, não obstante a presença de um texto que — mesmo depois da sentença da corte — não é de per si idôneo a exprimi-lo”[7].
As sentenças aditivas, como são designadas decisões judiciais que criam normatividade, são reflexo da superação do entendimento do papel dos tribunais constitucionais como simples legislador negativo. Desde o Barão de Montesquieu, com a formulação clássica do princípio da separação dos Poderes, atribuía-se ao Poder Judiciário o papel de aplicar mecanicamente a legislação, como se fosse sua “boca”[8]. Para tanto, pressupunha-se que o legislador criaria leis aptas a regularem todas as situações possíveis e imagináveis da vida em sociedade.
Hans Kelsen, a quem coube elaborar a ideia clássica do tribunal constitucional como o guardião da Constituição, enxergava que, na prática da jurisdição constitucional, “a livre criação que caracteriza a legislação está aqui quase completamente ausente”[9]. Na sua compreensão, por mais que o Poder Judiciário criasse Direito em alguma medida — por menor que fosse —, o exercício judicante seria absolutamente condicionada ao texto constitucional por envolver a aplicação do conteúdo das suas normas. O Poder Legislativo, ao contrário, estaria submetido tão somente aos procedimentos ali previstos e, excepcionalmente, aos princípios gerais.
Com a consagração do pós-positivismo e a superação do positivismo clássico, transição essa da qual são símbolos a atribuição de força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e uma nova forma de interpretação constitucional, o Poder Judiciário ocupou uma posição inédita no concerto institucional. Por meio das cláusulas gerais, cuja redação por vezes leva a conflitos a serem resolvidos mediante ponderação, o tribunal avança na criação e no aperfeiçoamento da ordem jurídica.
Assim o fez na Pet 3.388/RR. Instado a aferir a ocorrência de vícios no procedimento demarcatório da reserva, o Supremo analisou para rechaçar a suposta incompatibilidade entre questão indígena e desenvolvimento nacional, conciliando ambos os princípios em face dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Assim, determinou que o desenvolvimento que se fizer na ausência ou em prejuízo aos índios desrespeita o objetivo do desenvolvimento “tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena”.
O Poder Judiciário exercerá legitimamente a função atípica de Poder Legislativo quando reconduz sua solução inovadora às balizas presentes na Constituição. Quando não o faz, seja na ausência de princípios que autorizem tal decisão, na existência de princípios que contrariem a inovação promovida judicialmente ou na contramão do direito positivado pelo legislador, cuida-se de ato violador à separação e à harmonia dos Poderes.
No processo envolvendo a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, o Supremo garantiu a demarcação do território indígena mediante criação legislativa devidamente fundada no estatuto dos indígenas e nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Ao reconduzir os 19 parâmetros ao texto constitucional, o Supremo assegurou à sua decisão legitimidade e racionalidade, não obstante a lógica da separação de Poderes.
Intérprete privilegiado do Direito, o julgador possui o poder-dever de extrair do enunciado normativo seu sentido, alcance e extensão. Contudo, extravasa a função judicante quando passa à condição de criador da norma jurídica, especialmente se o Parlamento já legislou e, muito particularmente, se extrai do texto um comando que contraria o significado expresso da literalidade. Equilíbrio, ponderação, prudência, são qualidades que também devem povoar as decisões judiciais, de tal modo a garantir a prevalência da harmonia e separação dos Poderes.

[1] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, abr. 2005. p. 09.
[2] Pet 3.388/RR, rel. min. Carlos Britto, DJe 25/9/2009.
[3] YAMADA, Erica Magami; VILLARES, Luiz Fernando. Julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol: Todo dia era dia de índio. Revista Direito GV, São Paulo, v. 6, n. 1, jan./jun. 2010. p.
[4] J. O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios é de ser admitido na área afetada à unidade de conservação, nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
L. Admitem-se o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios em terras indígenas não ecologicamente afetadas, observados, porém, as condições estabelecidas pela FUNAI e os fundamentos desta decisão.
M. O ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios, respeitado o disposto na letra l, não podem ser objeto de cobrança de nenhuma tarifa ou quantia de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas.
R. É vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha às etnias nativas a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativista (art. 231, §2º, Constituição Federal c/c art. 18, §1º, Lei nº 6.001/73).
T. É assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, situadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento.
[5] MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade:o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. Revista Novos Estudos, n. 58, nov. 2000. p. 191.
[6] Pet 3.388-ED/RR, rel. min. Roberto Barroso, DJe 4/2/2014.
[7] ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bolonha: Società editrice il Mulino, 1977. p. 157.
[8] MONTESQUIEU, Barão de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 93.
[9] KELSEN, Hans. A garantia jurisdicional da constitucional. In: KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 153.